quinta-feira, 14 de maio de 2009

Cremar animais II

Ela foi a filha que eu nunca tive

«Pode parecer um pouco exagerado da minha parte porque eu não sou mãe e não tenho filhos mas eu acho que tal como as outras pessoas não conseguem perceber e pôr-se no lugar de quem perde um filho, também ninguém se consegue pôr no lugar de quem perde um animal de estimação.
Ela tinha de fazer xixi comigo, tinha de ir a rua comigo, eu tinha de lhe dar banho praticamente todos os dias por causa do contacto da urina com a pele e tudo isso fez com que toda a minha vida se transformasse em função da Matilde.
Andei completamente desesperada à procura de um sitio qualquer onde eu pudesse fazer uma homenagem à Matilde, onde eu pudesse... Porque o meu marido disse logo que não queria nenhum altar cá em casa com as cinzas da Matilde e com velas a arder porque acha mórbido e eu tenho de respeitar porque ele vive na mesma casa que eu... Mas eu também queria ter a Matilde perto de mim e então decidimos por na gaveta da minha mesinha de cabeceira, não está à vista, eu sei que ela está ali ao meu lado, quando eu durmo ela está ali.»

Mostrou-me as recordações que guardou da cadelinha que viveu com ela quase dois anos e morreu há 6 meses. Mantas, roupinhas, almofadas, o totó e ainda as tacinhas por lavar. Porque se lavar todo o cheiro da Matilde desaparece...
Havia um carrinho vindo dos EUA em que era passeada porque as patinhas da frente estavam partidas e as de trás atrofiadas. E tinha também uma caminha de viagem.

«Eu senti necessidade de ver a Matilde e o Feliz antes de entrarem para o crematório, senti necessidade de estar com eles, de levar as florzinhas de uma floreira que tenho cá em casa que a Matilde gostava de cheirar para serem cremadas juntamente com ela... e senti necessidade de esperar aquelas 3 horas a espera que decorresse a cremação...»

Esta senhora - uma senhora nova, com pouco mais de 30 anos - tinha mais três cadelas: uma que encontrou no lixo, outra cujo dono morreu com ela nos braços e outra cega, surda e incontinente, com um cancro mamário.

Foi uma experiência meio surreal. Ainda não consigo fazer comentários.

10 comentários:

Anónimo disse...

Quero mais!! Isto realmente é um bocado surreal, não tenho a certeza se devo rir...

Anónimo disse...

Apetecia-me apelidar isto tudo de ridículo e absolutamente asqueroso mas visto que se trata de um trabalho teu, Juni, respeito, ainda que gostasse de saber o que fazes, onde trabalhas e porque raio calhaste a fazer este artigo...

N disse...

Não estou a ter palavras. Estás mm a falar a sério?

Juni disse...

Estou mesmo a falar a sério :O
Isto é uma reportagem que vai passar na SIC algures durante as edições de fim-de-semana.
Disse-me ainda:
Ainda não acredito que me levaram a Matilde... Por mim, tinha eu morrido e ela ficava cá que o pai havia de cuidar muito bem dela

p disse...

Eu percebo muito bem. Nunca tive nenhum animal de estimação, mas sei por exemplo que o melhor amigo do meu namorado é, sem dúvida, o cão dele, o Scott. E no dia em que o Scott morrer vai ser um horror, não ao nível desses exemplos do post de certeza, mas vai ser duro.

Ainda assim, não condeno nada esses testemunhos. Não aponto um dedinho que seja, não rio, que isto para rir não tem nada, antes pelo contrário. É só para se perceber que o amor que se tem por estas criaturas pode - mesmo - ser tao grande como o que se tem por um filho. O luto é igual, tenho a certeza.

Sofia disse...

Juro que nao entendo

Analog Girl disse...

Estou bastante impressionada. Esta senhora deve ter ali uma grave falha afectiva. Mas ao mesmo tempo comove-me que ela leve os cães da rua consigo para lhes dar um lar melhor.

N disse...

O que eu acho, acima de tudo, é que isto revela uma extrema solidão. O apego aos animais é normal, mas a este ponto para mim é reflexo de uma lacuna, de uma frustração, é uma substituição de qualqier coisa. E não estou a criticar nem me estou a rir. Acho até "grave" que assim seja. Ou que seja tão assim.

Eduardo disse...

cada um agarra-se ao que tem.

Cate disse...

O sofrimento de perder um animal de estimação é, para mim, compreensível. Eles vêm, geralmente, para as nossas casas, muito pequeninos, crescem ao pé de nós, conquistam os seus espaços e os nossos corações. Infelizmente, as suas características biológicas não permitem que vivam tanto tempo como nós e que nos acompanhem. Muitas vezes são os nossos melhores amigos, gostam de nós independentemente do tipo de pessoa que formos. Perdê-los é um desgosto, sem dúvida.
Mas há limites. Claro que há. Só uma pessoa com uma grande falha afectiva, seja qual for a razão, consegue desejar a sua morte em vez da morte do bicho de estimação. Ou até mesmo de comparar a um filho.
Daí que o grau de sofrimento desta senhora me choque profundamente. Admiro que acolha em sua casa animaizinhos sem grande qualidade de vida, é uma atitude notável. Mas tenho pena dela. Mais pena dela do que da Matilde que morreu. Porque sofre desmesuradamente por uma coisa que, afinal, já se espera que aconteça.